Jackson Vasconcelos – 21 de maio de 2025
Estimulado pela curiosidade que me acendeu a leitura do livro de Maria Carolina Trevisan e Mauricio Moura “Voto a Voto”, busquei o depoimento do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, colocado em livro. “Um paciente chamado Brasil – Os bastidores da luta contra o coronavírus”, pouca novidade me trouxe consideradas as notícias da época. Contudo, a leitura é o relato do principal personagem, o que o torna um documento importante, uma vez que o Brasil está entregue ao poder das narrativas.
Mesmo antes de ler o depoimento do ex-ministro, eu já tinha a compreensão de que Jair Bolsonaro, assim como Donald Trump, foram tomados pelo desespero com a pandemia, pois tinha a convicção de uma reeleição fácil em razão da economia. Os dois resolveram aniquilar a pandemia do jeito mais estúpido: pela atitude de não reconhecê-la. Luiz Henrique Mandetta dá solidez didática ao argumento no Capítulo 38:
“Conclui que o cálculo do Bolsonaro era o seguinte: o que o afetaria nas eleições de 2022 seria a economia. O que salvaria ou enterraria a sua futura candidatura seriam emprego, renda e outros fatores econômicos. Paulo Guedes sinalizava um crescimento de 2,5 por cento na economia em 2020, faria uma reforma administrativa no ano seguinte para altar as amarras dos cofres públicos e dos investimentos, e poderia chegar ao fim do mandato com um crescimento de 3,5 ou 4 por cento. Com isso não teria adversário capaz de barrá-lo.”
Louco por livros, vi acender-me a lembrança de duas obras:
- A primeira delas, “A Marcha da Insensatez”, de Barbara Tuchman. Nela, uma frase só: “Fenômeno observável ao longo da História, que não se até a lugares ou períodos, tem sido a busca pelos governos, de políticas contrárias aos seus próprios interesses”. Pra mim, um comportamento que prova o risco representado pelos projetos sem estratégia.
- A segunda, do mestre Machado de Assis. Ele nos brindou com “Humanitas” em Quincas Borba: — “Foi no Rio de Janeiro, começou ele, defronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar-se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para uma botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois…O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derrubou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se, em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer…”.
Assessorado por Paulo Guedes e pela ignorância presente no DNA, Jair Bolsonaro agiu como as mulas, que mataram a avó de Quincas Borbas. Quem esteve no caminho do sonho de reeleição dele, mesmo que submetido a respiradores ou na porta da cova, seria sacrificado. Eu fui um dos que Jair Bolsonaro entendeu que poderia morrer para a economia voltar a funcionar. Arolde de Oliveira, um dos melhores políticos que conheci, escudeiro de Bolsonaro, foi sacrificado como tantos outros.