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“ISTO DE POLÍTICA, MEU CARO…”

Hoje, 08 de janeiro de 2025, completam-se dois anos da ocorrência da invasão das sedes dos Três Poderes da República pela multidão de eleitores de Jair Bolsonaro, estimulada pelas suspeitas de fraudes na eleição; A turma queria uma intervenção do Exército no processo político. 

Jair Bolsonaro estava nos Estados Unidos. Em silêncio, ele aceitava os convites de brasileiros para fotos, que chegavam, imediatamente, nas redes. Para lá ele seguiu ainda como Presidente da República e de lá assistiu a baderna e as consequências dela. Ele não disse uma palavra.

Em 1964, o povo brasileiro foi às ruas impulsionado pelo mesmo desejo: uma intervenção militar no processo político. O Exército atendeu ao chamado e implantou no Brasil uma ditadura, que suspendeu as eleições diretas para Presidente da República, para governadores e prefeitos de várias cidades. Manteve o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal em funcionamento, mas humilhados. Completamente subordinados ao poder da farda. Mandatos foram cassados, Ministros do Supremo aposentados compulsoriamente e o número deles ampliado para permitir que os ditadores tivessem liberdade para agir contra os opositores. 

O povo levou quase uma geração para reconquistar suas prerrogativas, com um trabalho árduo, com dores, “suor e lágrimas”.  No Congresso e na imprensa algumas vozes se levantaram contra a ditadura, mas ficaram pelo caminho. Outras vozes, no entanto, souberam dosar o discurso e as atitudes, para deixar que a ditadura caísse pela força do próprio peso.  Rubem Medina estava nesse grupo. Ele soube suportar as pancadas pela decisão de não radicalizar. Esteve preso na entrada do AI-5 e, naquele momento, entendeu que só com paciência e estratégia a ditadura seria vencida. 

Rubem Medina participou do processo de reconquista da democracia, não como mero expectador, mas como um agente político ativo. Rubem Medina agiu com talento e esse talento está exposto por ele e contado por mim, no livro, “Isso de política, meu caro…”.

Por aqui, neste momento, a democracia está em risco sim e sempre esteve no mundo todo, todo o tempo, porque ela é uma das coisas que, quando se tem, não se valoriza. É algo como a vida que, enquanto saudável e bela, não é percebida com o exato valor que tem. Por aqui, a democracia precisa ser aprimorada até o ponto em que não se corra mais o risco de perdê-la. Ocorre que não criaram sucessores de lideranças com o perfil de Rubem Medina, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Mário Covas.

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MANUAL PARA O BOM ELEITOR! 

Perceba que nem bem saímos da campanha eleitoral de 2024 e já há quem se movimente para as campanhas de 26. Diante disso, indico aos interessados, o livro do professor Carlo Cipolla, um sábio, falecido no ano de 2000. Ele escreveu “As leis fundamentais da estupidez humana”, onde apontou as personalidades possíveis de dois personagens, Tom e Dick. Com base na lista de Cipolla, se tem um manual para eleições. Confiram:

Se Tom empreende uma ação para obter uma vantagem e produz uma vantagem também para Dick, Tom é uma pessoa inteligente. Então, se você quer eleger alguém inteligente, busque um candidato que, ao produzir uma vantagem para ele, estará produzindo outra para você. 

Mas se Tom é um cara que, ao fazer algo que lhe dá vantagem, provocará uma perda para Dick, Tom é um bandido e, portanto, se você precisar de um bandido na política, escolha um candidato semelhante ao Tom que, ao ter a vantagem de vencer a eleição, provoque algumas perdas para você. 

Ora, mas se Tom, ao agir, perde alguma coisa, mas produz ganhos para Dick, Tom é um político vulnerável. Se você acredita que uma pessoa vulnerável pode exercer o mandato em seu nome, fique à vontade. 

Por fim, se Tom age e, ao agir, provoca perdas para Dick e para ele mesmo, aí teremos o Tom estúpido. Neste caso, Tom estará mais para eleitor do que para candidato. 

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DEMOCRACIA SEM PAPO FURADO

Estamos às vésperas do dia 8 de janeiro de 2025 e a sociedade brasileira chegará à data dividida por várias razões. Uma delas é pelo conceito que cada um tem de democracia. No mesmo dia, do ano de 2023, o pau comeu em Brasília com reflexo sobre todo o povo. De um lado, houve quem quebrasse prédios e móveis em nome da democracia e de outro, gente que condenou a quebradeira pelo mesmo motivo. 

No mundo dos debates; no mundo acadêmico, livrarias, conversas de bar; nos grupos de WhatsApp, nas brigas em família, a gente encontra um caminhão de definições para democracia e dissertações de todo tipo. Nas minhas estantes e arquivos, por exemplo, eu  tenho obras com variações sobre o tema. “Ainda estou aqui” faz sucesso nos cinemas e vende bem nas livrarias, pois mostra o preço pago em vidas pela democracia aos “democratas” instalados naquele tempo, no Estado Brasileiro. O povo, com medo, esquivava-se do assunto. Corria, naquele tempo, um alerta cômico: “Política? Não acho nada, pois o último que achou foi achado e nunca mais acharam ele”. 

Meu desejo com o  que escrevo aqui e agora, contudo, não é dissertar sobre as obras e registros que definem a democracia. Abusado como sou, só quero registrar e compartilhar o que eu mesmo penso sobre o tema – se tiver ouvintes e leitores. A dermocracia tem vários sentidos, datas e locais de nascimento. Tem até um guia criado por Robert A. Dhal, com o título “Sobre a Democracia”, livro traduzido para o português, pela tradutora de excelência, Beatriz Sidou. Dahl inicia a obra com uma pergunta que ele mesmo responde: “Precisamos realmente de um guia?”. Sim. “Quando se está interessado em procurar respostas para as perguntas essenciais sobre democracia, um guia pode ajudar”, é a resposta dele. Do mesmo modo que vale ler “Ainda estou aqui”, não se pode perder de vista o livro de Dahl, nem os estudos sobre a democracia ateniense, que nasceu excluindo dela a maior parte do povo. 

Para todos os conceitos e datas, o ambiente onde a democracia consegue existir impõe que todo o poder emane do povo e em nome dele seja exercido. Algo que o medo do legislador brasileiro fez vergar-lhes os ombros e flexionar o conceito para colocá-lo no parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Brasileira com a seguinte redação: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. O medo inseriu os representantes e os termos da Constituição no lugar que deveria ser, exclusivamente, do povo. 

Quando chego nesse ponto, uma questão me intriga: “todo poder” sobre quem? Eu só encontro uma resposta: não será do povo sobre o Estado? Nesse caso, os agentes do Estado, eleitos ou não eleitos, representam o povo no exercício do poder dele sobre o mesmo Estado, ressaltando que os não eleitos são nomeados ou prestigiados pelos eleitos. Situação complicada, não?  Não estaria aí, neste ponto, a insatisfação de todos os não eleitos com os que foram e têm sido eleitos para representá-los? A insatisfação não estaria no fato de os eleitos, assim que eleitos e empossados, deixarem seus lugares no meio do povo para abrigarem-se sob o teto e sob as benções do Estado? É importante levantar essa questão, quando há gente nova a assumir posições no Estado Brasileiro, para representar o povo? Eu acredito que sim. 

Tem-se falado bastante que o povo brasileiro está dividido, agindo uns do povo contra outros do povo. Pode ser. Eu, no entanto, vejo uns e outros – muitos até sem saber exatamente que agem desse modo – numa luta sem sucesso, exaustiva e sem o estímulo contra os agentes do Estado. Agentes que, para manterem-se no Estado, jogam uns do povo contra outros do mesmo povo. 

Presentes nos debates sobre democracia estão pessoas na defesa de uma nova Constituição. Eu também acredito que chegou a hora de tê-la, a começar pela construção de um novo parágrafo único para o primeiro artigo, onde fique claro, bem claro, que todo o poder emana do povo e, exclusivamente, em nome dele será exercido pelos agentes do Estado, tenham eles chegado lá pelo caminho que for.

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NENHUMA VITÓRIA É DEFINITIVA

Todo ser inteligente deveria adotar como guia a expressão “nenhuma vitória é definitiva” do filósofo francês Marc Sautet. Os eleitos pelo povo para representá-lo deveriam tê-la como sentença. Ela está no livro “Um Café para Sócrates”, um tratado de filosofia. Marc Sautet relata as experiências dele no lidar com a filosofia como meio de vida.

No livro, a frase que eu utilizo como título desse artigo se completa com outra enunciação: “Nenhuma perda é irreparável”. Somadas, temos, então, a sentença completa: “Nenhuma perda é irreparável; nenhuma vitória é definitiva”. Marc Sautet, um sujeito brilhante, morreu jovem com 51 anos de idade, fato que joga por terra a inicial da sentença, quando a vida está em jogo. Afinal, sabe-se que todo ser humano, ao morrer, torna-se uma perda irreparável, se não para o mundo, como é o caso de Marc, pelo menos para alguém.

Ocorre que a política é o assunto aqui e nela, a expressão completa faz todo o sentido. Vejam vocês. Saímos há pouco de um novo tempo de campanhas eleitorais, com resultados que apontaram vencedores e vencidos. Para os vencidos, a primeira parte da sentença de Sautet é um fato real: “Nenhuma perda é irreparável”, basta que se tire lições da derrota e, sem paixão ou mágoas, faça-se leitura dos erros e acertos, das oportunidades perdidas e das ameaças não consideradas e também do que se deixou de aproveitar das conquistas do longo da vida.

Para os vencedores, é tempo de tomar como base a segunda parte da sentença de Marc Sautet, “nenhuma vitória é definitiva”. Se os eleitos permanecerem guardiões da confiança do povo durante o exercício do mandato, a vitória será definitiva e abrirá espaço para outras tantas. Contudo, é preciso estar atento para uma situação bem comum ao exercício dos mandatos. Ele é cheio de surpresas e as expectativas criadas pelos discursos proferidos nas disputas podem estar longe das condições que precisam os eleitos para atendê-las. De certo modo, o povo, ao votar, sabe disso. Então, o grau de confiança do povo nos eleitos não se dá, unicamente, pelo cumprimento das promessas, mas pelo conhecimento que o povo terá das dificuldades e da disposição dos eleitos para ultrapassá-las. Nesse momento, a comunicação entre eleitos e eleitores é fundamental tendo por base a verdade, exclusivamente, a verdade comunicada de modo eficaz.

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FELIZ?

Há guerras em quase todos os lugares, crises em todos os lares, jovens viciados, roubos, assassinatos, estupros e corrupção. Crianças com fome e sem futuro, crianças com comida em abundância, luxo e riqueza. Miséria, também. Opulência vergonhosa, idem. As prisões estão lotadas e os cemitérios de gente que seguiu antes do tempo certo.

Diante de tudo isso, a gente se queixa, se assusta, se apavora e, por vezes, até finge não ver, pois o ver implica em sentir dor. O que fazer? A gente escolhe governos, troca governos, faz revoluções, manifesta-se com discursos, bandeiras, sermões, rezas, orações e ninguém tem paz. Se a tem, é por pouco tempo ou por alienação. A roda da política gira, gira, gira.

O que fazer? Como resolver isso? Ora, meu caro amigo, minha dileta amiga, a solução nos foi apresentada há mais de dois mil anos. Vejam só: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo”. Sim. É exatamente assim que o mundo anda a funcionar. Ou não é?

Não é por isso que uns são Bolsonaro e odeiam os que não são. E outros odeiam que está com Bolsonaro a ponto de colocá-los na prisão? Perfeitamente. Então estamos todos bem a viver de acordo com as normas. E temos o bom exemplo do que acontece no mundo todo, quando existe o amor ao próximo e o ódio aos inimigos.  Silas Malafaia será o líder. Ele está correto quando esbraveja e grita impropérios contra os inimigos.

Pois é. Nisso está o sentido da frase popular: “a pressa é inimiga da perfeição”, já que a mensagem não parou o caminho dela no ódio aos inimigos, mas seguiu para dizer: “Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus”.

Uau! Mas, isso é impossível ao coração humano.

Então, não reclamem, nem esperem muito dos governos ou dos malafaias estridentes. Continuemos em guerra, a viver com medo uns dos outros e professar uma fé que não é completa. Permaneçam no ódio aos inimigos, até que o próximo se torne um deles. A gente já sabe que isso é plenamente possível.

Feliz dia do aniversário de Jesus, que os próximos e os inimigos chamam de Natal.

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DEMOCRACIA NO XADREZ

Imagine-se diante de um tabuleiro de xadrez organizado para uma partida. Nessa posição, vamos definir a democracia. Sigamos. Quando os jogadores são os membros de uma sociedade, o povo, e as peças os agentes do Estado, aí temos uma democracia.

Porque os cavalos, os peões, as torres, os bispos e até mesmo a rainha e o rei serão movimentados pelo povo que, no interesse da vitória dele, desloca as peças no tabuleiro. Mas, quando os jogadores são os agentes do Estado e as peças são o povo, temos a tirania.

Só se sairá dela no momento em que os cavalos, torres, bispos, a rainha e o rei, líderes do povo, ganharem vida para se rebelarem. Será quando o cavalo não concordará mais em só se movimentar em “L”, as torres, nas verticais e horizontais, os bispos em diagonal e os peões, até mesmo eles, não aceitarem mais a obrigação de caminhar uma casa de cada vez somente. 

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GOLPE? “ASSIM É (SE LHE PARECE).”

“Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff!” Com essa frase, em 2016, Jair Bolsonaro, já candidato à presidência,  declarou o voto dele a favor do impeachment da Presidente Dilma. 

Com a frase e com o voto, Jair Bolsonaro reacendeu, na memória do povo brasileiro, o golpe de 1964, momento em que o Congresso Nacional declarou vaga a Presidência da República, tendo-se, ainda, em exercício pleno, legal e legítimo, o Presidente João Goulart. Os generais apoiaram a decisão do Congresso, mas exigiram, em troca, a Presidência da República e todo o poder que ela pode representar para os ditadores. 

Não existe na história recente do Brasil, além do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, alguém que represente com mais propriedade o período de terror iniciado no Brasil em 1964, uma longa noite de prisões, mortes, desaparecimentos, torturas, exílios, mandatos cassados, perseguições e aposentadorias compulsórias cruéis. Portanto, ao homenagear o Coronel Ustra Jair Bolsonaro, no imaginário dos críticos e das vítimas de 64, assumiu a imagem de alguém favorável ao golpe de 64 e de todas as consequências dele. 

Depois, houve uma sequência de fatos que reforçaram a imagem de apoio do Presidente ao golpe de 1964 e à preferência por ditadores. Por exemplo, a nomeação de militares para os postos-chaves do governo, inclusive para o papel de interface com o Congresso Nacional e com a imprensa. Na mesma direção, caminhou a declaração de Jair Bolsonaro no dia 31 de março de 2020, quando ele se referiu ao golpe de 64 como o “Grande dia da liberdade”. Em agosto de 2021, Jair Bolsonaro autorizou o desfile de tanques nas ruas de Brasília, com o pretexto de homenagear a Marinha, um fato que a imprensa vendeu como uma tentativa de constranger o Congresso Nacional, que votava a exigência de voto impresso nas eleições. 

A presença e pressão dos apoiadores de Jair Bolsonaro nos portões dos quartéis do Exército foi a pincelada final na composição da imagem negativa dele. O fato reacendeu a lembrança da ocasião em que o povo brasileiro foi às ruas em 1964, para pedir a intervenção dos militares no processo político. 

Jair Bolsonaro, por atos, fatos e palavras, vestiu a imagem de ditador e de golpista, algo que ele mesmo reconhece ter, embora não queira. Por isso, ele cita, com frequência cansativa, a decisão de manter-se dentro das “quatro linhas da Constituição Brasileira”. 

Luigi Pirandello, Nobel de Literatura em 1934, escreveu “Assim é (se lhe parece)”, uma peça que cabe na política brasileira nesta altura, quando se vive uma verdadeira esculhambação sobre o conceito de verdade. O que é ou não é realidade?  O que é ou não é só imagem? O que é verdade ou narrativa? Pirandello traz na peça a compreensão de que há sempre, naquilo que a gente toma como verdade, um elemento de relatividade baseado na consciência subjetiva. 

Bolsonaro é ou não um golpista? Será que assim é se lhe parece ser? 

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MACRON. SIMPLESMENTE, MACRON 

Jackson Vasconcelos, 09 de dezembro de 2024

Toda vez que Emmanuel Macron é o tema, cabe lembrar, rapidamente, que ele chegou à Presidência da França impulsionado por dois elementos essenciais numa campanha eleitoral: estratégia e sorte. Para organizar a estratégia, Macron observou de perto os movimentos políticos que surgiram na Europa (Podemos na Espanha e Cinco Estrelas na Itália), analisou a campanha de Barack Obama nos Estados Unidos e usou todas essas informações na composição de uma pesquisa qualitativa com amplo arco de consultas, para identificar distritos e setores mais representativos da França dispostos a ouvir o discurso dele. Além disso, Macron percebeu que com os partidos tradicionais ele não conseguiria dar credibilidade ao papel de outsider. “Decidi não pagar nenhum tributo a um sistema político que nunca me reconheceu verdadeiramente como um dos seus”, disse Macron ao gritar o movimento En Marche!, que agregou uma multidão de eleitores por toda a França. 

Houve também a sorte. O candidato favorito, que apresentava chances reais de vitória, François Fillon, centro-direita, foi apanhado numa denúncia de nepotismo e desintegrou-se.  

No momento, o senhor Presidente da França, Emmanuel Macron, quebrou a cara. Ele, duas vezes,  desafiou o parlamento francês e deu com os burros na água. Duas vezes! A primeira aconteceu quando o partido dele foi derrotado na eleição para o Parlamento Europeu. Ele, então, dissolveu o parlamento e convocou novas eleições. Fazia pouco tempo que ele tinha vencido com folga a eleição para um segundo mandato. Deve ter acreditado que o povo não lhe faltaria. Mas, um povo que se preza é sempre soberano – tem o poder de fato e de direito. 

Na nova eleição, o partido do Senhor Presidente não conseguiu a maioria das cadeiras no parlamento. Essa qualidade ficou com a extrema-esquerda. Restou para Macron o consolo de ter a extrema-direita de Marine Le Pen, sua adversária relevante, no terceiro lugar e ele em segundo. 

Macron não aceitou o resultado com facilidade e levou meses para indicar um novo Primeiro-Ministro. Queria fugir da obrigação de entregar a função à vencedora extrema-esquerda. Procurou daqui, buscou dali e indicou Michel Barnier, representante da centro-direita, várias vezes ministro. Uma escolha, portanto, um tanto lá, um tanto cá.

Michel Barnier, contudo, durou pouco. A esquerda unida à direita, por todos os extremos, firmou uma moção de censura e obrigou Barnier a renunciar. A imprensa francesa já aponta pesquisas com o desejo da maioria dos eleitores pela renúncia do próprio Macron, que, imediatamente, foi à TV discursar para os eleitores franceses: “O mandato que vocês me deram é de cinco anos e eu o exercerei até o fim”.

Há, na França, portanto, uma crise política, mas nada que o próprio modelo político não resolva sem ti,ti,ti ou mi,mi,mi dos políticos. O Poder Judiciário? Esse nem se atreve! 

Eis a vantagem do parlamentarismo. Mas, o povo brasileiro, apesar de todos os problemas políticos que temos por aqui, foge dele como o diabo foge da cruz. Pena, não? 

Mas, não posso encerrar esse texto sem comentar um pouquinho a mais sobre o senhor Emmanuel Macron. Tenho nas minhas estantes dois bons livros sobre Macron, um deles escrito pelo próprio com o título “Emmanuel Macron Revolução – A Autobiografia de um líder” e o outro, “Macron por Macron”, uma coletânea de entrevistas feitas com ele antes da chegada dele à Presidência. 

Do meu primeiro livro – Revolução – destaco uma curta passagem quando Macron relata a experiência dele como Ministro da Economia, bem apropriado para esse momento. Diz ele: “Tive também fracassos, os quais reconheço com tristeza”. E quando detalha esses fracassos, que ele atribui às dificuldades impostas a ele pelos agentes políticos, ele declara: “Quaisquer que tenham sido os entraves encontrados em minha ação, essa iniciativa nunca foi construída “contra” e sim “para”. “O contra não existe”, dizia Malraux. Sou um homem do “para”.  

Do segundo livro, uma obra curtíssima, com 124 páginas somente, retiro a resposta de Macron a uma pergunta que cabe bem aos políticos do Brasil neste momento. A pergunta foi: 

O que deve ser combatido para mudar o sistema? 

Macron: O fatalismo e a desconfiança. Fatalismo é pensar que não existe uma alternativa dentro do sistema político, apenas sucessão. Decidimos que nosso sistema político foi confiscado pelos aparelhos que decidem por nós, que funcionam como filtro…Esse fatalismo é terrível, porque alimenta a aversão ao político, o ceticismo e o ensimesmamento. Leva às carreiras longas e ao estabelecimento de uma relação patrimonial com a vida política. Além disso, leva a aceitar, em certos períodos, a derrota elegante que preserve um aparelho político para, em seguida, ressurgir. Isso é inaceitável para quem ama seu país e as ideias…O papel da política é o de explicar, de levar uma ideologia no sentido nobre do termo, levar uma visão do país para uma comunidade, levar valores.” 

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POR ISSO, GOSTO DE POLÍTICA

A casa branca, Domínio público, via Wikimedia Commons

Donald Trump foi eleito Presidente dos Estados Unidos e isso produziu ódio e ressentimentos na esquerda no Brasil. A direita tripudiou. Mas, Kamala Harris, derrotada por Donald Trump, sem ressentimento, fez um discurso primoroso para reconhecer a vitória do opositor: 

“ Eu sei que vocês estão sentindo e vivenciando uma série de emoções neste momento, mas devemos aceitar os resultados desta eleição. Hoje cedo falei com o presidente eleito, Donald Trump e felicitei-o pessoalmente pela vitória e avisei que vamos ajudá-lo na transição, para uma transferência pacífica de poder, um princípio fundamental da democracia americana. (Mama é vice-presidente de Joe Biden). 

Esse princípio distingue a democracia da tirania. Nenhum de nós deve lealdade a um presidente ou a um partido, mas à Constituição dos Estados Unidos da América. E é assim que devemos proceder”. 

Kamala, com habilidade, sem ressentimentos, sem acusar o sistema ou o processo, marcou a diferença entre as atitudes dela e do  partido democrata e o que fez Donald Trump ao perder a eleição em 2020. 

No Uruguai a esquerda levou e no Brasil tripudiou a direita. Contudo, Alvaro Delgado, candidato derrotado, reuniu seu grupo político e eleitores e discursou. Álvaro abriu o discurso com os agradecimentos de praxe e declarou estar diante do discurso mais difícil da vida dele. O discurso de reconhecimento da derrota, mas avisou: “ Temos que respeitar, sobre todas as coisas, uma eleição soberana….Com toda essa coligação de governo, com todos os atores dessa coligação, dou um forte abraço e saúdo Yamandu Orsi e toda a Frente Ampla que o apoiou…”. Em seguida, Alvaro declarou a disposição dele e de seus aliados em cooperarem com o governo eleito, para o bem da democracia e do Uruguai. Durante todo o discurso, Alvaro segurou a bandeira do país. No fundo do palco reluzia a frase: La Coalizon festeja la democracia”. 

A história da democracia no mundo dá outras centenas de exemplos de comportamento civilizado entre os que perdem e os que vencem eleições, mas, para mim, o caso mais emblemático é a carta  que W. Bush escreveu para Bill Clinton, quando derrotado por ele: 

“Prezado Bill, quando entrei neste escritório (Casa Branca) agora mesmo, senti a mesma sensação, admiração e respeito, que senti há 4 anos. Sei que você também sentirá isso. Desejo que você seja muito feliz aqui. Eu nunca senti a solidão que alguns presidentes descreveram. Haverá momentos muito difíceis, dificultados ainda mais por críticas que talvez você não considere justas. 

Não sou uma pessoa muito boa para dar conselhos, contudo digo a você: não deixe que os críticos  o desencorajam ou desviem você do caminho. Você será nosso presidente, quando ler essa nota. Portanto, desejo o melhor para você e desejo o melhor para a sua família. O seu sucesso agora é o sucesso do nosso país. Estou torcendo muito por você. Boa sorte. GEORGE. 

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POR QUE TRUMP VENCEU? 

Jackson Vasconcelos, 12 de novembro de 2024

Se você deseja uma pista para a razão da vitória do republicano Donald Trump, busque na opinião que têm os americanos da classe média sobre as políticas públicas dos democratas, que fazem caridade aos pobres com o dinheiro de quem trabalha duro e paga impostos. Uma boa dica está no livro “Era uma vez um sonho”, escrito por J. D. Vance, eleito vice-presidente na chapa republicana. J. D. Vance escreveu o livro no tempo em que nem sonhava estar com Trump na empreitada. 

Vamos lá: 

Ele conta as experiências dele como caixa num mercado perto da casa da avó, com quem ele, na época, morava:

“(…). Também aprendi como as pessoas jogavam o jogo da assistência social. Compravam duas embalagens com uma dúzia de refrigerantes com cupons e depois os vendiam com desconto por dinheiro. Eles passavam suas compras separadamente, comprando comida com cupons, e cerveja, vinho e cigarros com dinheiro… Nunca entendi por que nossas vidas eram uma luta sem fim enquanto aqueles que viviam da generosidade do governo tinham um monte de quinquilharias com as quais eu só podia sonhar… A cada duas semanas eu recebia um contracheque e sempre reparava a linha que mostrava os impostos federais e estatais que eram debitados do meu pagamento. Pelo menos, com essa mesma frequência, nosso vizinho, viciado em drogas, comprava cortes de T-Bone, que eu era pobre demais para comprar, mas era forçado pelo Tio Sam a comprar para os outros… Cientistas políticos escreveram páginas e páginas tentando explicar como a população da região central dos Apalaches e do Sul passou de democrata convicta a republicana convicta em menos de uma geração… Grande parte da explicação está no fato de que muitos brancos da classe trabalhadora viram exatamente o que eu vi trabalhando no Dilman’s. Desde os anos 1970, a classe trabalhadora branca passou a se voltar para Richard Nixon porque começou a perceber que, como um homem disse: “o governo estava pagando para pessoas que vivem de assistência social e não fazem nada! Eles estão rindo do nosso país! Nós somos trabalhadores e eles estão rindo da nossa cara porque trabalhamos todos os dias!” (referência: Rick Perlstein, Nixonland: The Rise of a Presidente and the Fracturing of América (2008). 

Fica aqui a minha sugestão de um ótimo livro.