E a rachadinha, gente? Certamente, o senador Flávio Bolsonaro não ousaria, quando deputado estadual, a ser o único a praticá-la. Já se ouviu falar dela em outros casos na mesma Assembleia Legislativa e em algumas Câmaras Municipais, Brasil a fora. Pode ser que o mesmo aconteça até no Congresso Nacional. Quem pode garantir que não seja desse modo, se o Estado Brasileiro é opaco?
Mas, será esse o único problema a se resolver na estrutura da administração pública? Aí, eu posso garantir que não, mas é digno de pena quem ousa pensar numa reforma administrativa, porque estará a mexer numa estrutura bem antiga, que distribui e mantém privilégios às mãos cheias, alguns deles, hipocritamente, chamados de prerrogativas, como são a estabilidade, as aposentadorias integrais, as promoções e progressões funcionais automáticas, bem como a autonomia para tomar decisões sem se incomodar com o resultado delas sobre a sociedade.
É certo que sobre a corrupção age-se, no presente, com mais força. E sobre a irresponsabilidade e a incompetência, que produzem o mesmo efeito e às vezes com resultados até mais cruéis, porque o irresponsável pode até não roubar e não ser apanhado por isso, mas deixa que o roubo aconteça.
O comportamento da máquina administrativa do Estado Brasileiro não deixa dúvidas de que ela pertence aos que a operam e nada dela é do povo. Quem, no Estado, recebe a chancela de uma nomeação, seja por eleição, concurso ou designação de confiança, apropria-se da estrutura. Por isso, acha normal ou até razoável errar e enriquecer na administração de um patrimônio que julga ser seu. Está aí o conceito de patrimonialismo que Raymundo Faoro entregou de forma magistral na obra “Os Donos do Poder”, onde está a derivação do patrimonialismo português e dos conceitos de Max Weber. Mas, que se leia Faoro e por justiça se veja o que é Portugal hoje. Isso talvez nos sirva de ânimo e de esperança.
Sem muita sofisticação, a tese confirmada é de apropriação das estruturas do Estado pelos agentes públicos e privados. O que é a rachadinha se não a apropriação do patrimônio público pelos que o entendem como sendo seu? Na mesma linha e direção seguem as obras de reforma dos gabinetes funcionais de quem ocupa funções públicas e o uso indiscriminado de transportes gratuitos e outras regalias às quais só os escolhidos têm acesso. Mas, o mesmo se dá com a escolha dos séquitos de assessores inúteis à sociedade, apesar de extremamente úteis aos que os nomeiam, seja por concurso ou por confiança pessoal.
“Os homens e as mulheres produzem mais quando recebem a recompensa tanto da sua diligência ou inteligência como as penalidades pela indolência…”. A frase é de Adam Smith. Mas, para tê-la como verdade na estrutura do Estado será preciso definir-se, com clareza, os objetivos a serem medidos, porque quando o objetivo é a prestação de serviços à sociedade, teremos mais indolentes do que diligentes. Contudo, se o objetivo for o sucesso do agente público, aí, então, não há indolência, nem incompetência. Existirá sim, muita inteligência e esperteza.
Há que se mexer na estrutura da administração pública se quisermos governos voltados para o serviço público. Quem poderá fazer isso? Só os liberais, porque eles sim compreendem o prejuízo que dá à sociedade um Estado capturado pelos agentes públicos e privados em detrimento das expectativas do povo. Os conservadores, tenham as cores que tiverem, à esquerda ou à direita, querem manter tudo como está, com pequenas variações que, no fim, facilitam mais a vida deles, independente do resultado que tenham na vida do povo.
Encerro desculpando-me com o senhor Vargas Llosa, que numa das brilhantes obras que dedicou à política afirmou: “Um liberal costuma ser cético, alguém que considera provisórias até mesmo as verdades que lhe são mais caras. Esse ceticismo com o próprio é justamente o que lhe permite ser tolerante e conciliador com as convicções e crenças dos outros, mesmo que sejam muito diferentes das suas. Este espírito aberto, capaz de mudar e superar as próprias convicções é incomum e quase sempre inconcebível para quem, como tantos conservadores, julga ter alcançado as verdades absolutas, invulneráveis a qualquer questionamento ou crítica”.
Peço perdão ao mestre Vargas Llosa, porque já perdi a paciência com os conservadores. Estou há tempo demais aguardando que eles mudem o rumo do Estado Brasileiro, ambiente onde qualquer burocrata mais assanhado é chamado de Excelência, para que fique mesmo, bem distante de quem lhe paga os salários. No país mais republicano e democrata do mundo, o Presidente da República, chefe de toda a máquina pública é tratado como Mr. President. E quando a paixão é grande, como “My President”. Nesse pequeno detalhe está toda uma diferença que grita e implora por uma reforma administrativa urgente aqui.
*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.
Por Jackson Vasconcelos